A Polioencefalomalacia (PEM) é um termo utilizado para descrever a lesão caracterizada por necrose da substância cinzenta do encéfalo. Onde malacia significa amolecimento e polio remete a região cinzenta do encéfalo. De fato, é importante entender esse termo, que se refere a lesão, a qual pode ser proveniente de várias causas e não a uma doença específica. Com distribuição mundial, esta enfermidade causa perdas econômicas significativas em diversos países.
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Propagação da doença:
A ocorrência dessa doença, na maioria das vezes, não apresenta sazonalidade e pode ocorrer em surtos ou em casos isolados. A raça e o sexo do animal são fatores que não interferem na ocorrência da enfermidade. O coeficiente de morbidade da doença é de 0,02% a 14%, no Brasil.
Quando a ocorrência da doença está relacionada ao excesso de enxofre ou de sal com privação de água, pode haver uma considerável interferência na epidemiologia da doença, uma vez que o índice de morbidade pode ser superior a 10%. Embora em alguns países seja relatada maior ocorrência em bovinos jovens confinados, no Brasil a maioria dos casos ocorre em bovinos adultos criados extensivamente.
Causas e fatores relacionados a doença:
Por muito tempo a PEM foi diagnosticada exclusivamente pela deficiência de tiamina (Vitamina B1). Sendo assim, essa suspeita se dá pela presença de tiaminases no rúmen de animais doentes e na recuperação de doentes após o tratamento com tiamina, que pode estar associada a fatores como a ingestão de alta quantidade de grãos e forragem inadequada. Por mais que o distúrbio de tiamina seja considerado um dos principais fatores que acarretam a doença, sabe-se hoje que a PEM em ruminantes possui diversas etiologias.
Os fatores que estão associados a ocorrência dessa doença são:
- Destruição da vitamina B1 por tiaminases bacteriana (Clostridium sporogenes e Bacillus thiaminollyticus) no rúmen;
- Deficiência na dieta de bezerros pré-ruminantes;
- Ingestão de plantas com atividades tiaminolíticas (Amaranthus blitoides, Malva parviflora, Pteridium aquilinum, Marsilea drummondii, Cheilanthes sieberi e Equisetum arvense);
- Produção de enzimas tiaminolíticas devido ao excessivo consumo de concentrados ou baixa ingestão de volumoso. Fator que mais contribui para ocorrência nos confinamentos;
- Intoxicação por sal associada a privação de água;
- Intoxicação por chumbo;
- Administração de determinados anti-helmínticos (Exemplo: levamisole e tiabendazole);
- Administração de análogos a tiamina (Amprólio);
- Ingestão de melaço (associada a intoxicação por enxofre);
- Transferência de pastagens pobres para pastagens de boa qualidade;
- Intoxicação por Phalaris;
- Meningoencefalite por herpesvírus bovino (BoHV);
- Excesso de enxofre na dieta, sem alterações detectáveis no metabolismo da tiamina.
Sinais clínicos descritos na literatura:
Os sinais clínicos da PEM são associados às lesões cerebrais que a doença acarreta. Geralmente os quadros agudos possuem uma evolução média de dois a quatro dias com alta taxa de mortalidade. Já, quadros que não são tão agudos apresentam a possibilidade de recuperação do animal com leves sequelas. Quando a forma da PEM é classificada como crônica, foi relatada uma evolução do quadro clínico em um período de 25 dias. Os animais ficam apáticos, afastam-se do rebanho e muitos são encontrados em decúbito lateral ou esternal. No início da doença, o animal pode apresentar agressividade e excitação.
- Cegueira, com reflexo pupilar intacto;
- Head pressing (pressionar a cabeça contra objetos);
- Opistótomo;
- Macha em círculos;
- Nistagmo;
- Ataxia;
- Estrabismo dorsomedial;
- Excitabilidade;
- Mastigação repetitiva;
- Fasciculação dos músculos da face;
- Incoordenação motora;
- Decúbito lateral
Diagnóstico:
O diagnóstico desta doença é realizado com base nos dados epidemiológicos, clínicos, achados de necropsia e histopatológicos. Porém, também pode ser diagnosticado de forma terapêutica, através da resposta dos animais aos tratamentos com tiamina e corticoides. Neste caso podemos enfatizar a importância da realização periódica de rondas sanitárias, umas vez que, através delas pode-se constatar anomalias suspeitas. Vale ressaltar que animais com lesões avançadas podem responder mais lentamente ao tratamento, permanecendo cegos por semanas ou meses.
No caso de polioencefalomalacia associada a outros fatores, o animal não irá responder ao tratamento com tiamina. Portanto, o diagnóstico de PEM pela intoxicação por enxofre deve ser realizado com base na quantidade do elemento presente na água, ração, volumoso, suplemento mineral ou proteico e mineral que o animal teve acesso. No entanto, o teste mais eficiente para o diagnóstico de intoxicação por enxofre, é a determinação dos níveis de gás de sulfeto de hidrogênio na camada gasosa rúmen.
Quando a PEM não está associada a deficiência de tiamina ou ao excesso de enxofre, os meios de diagnóstico mudam. Analisar a concentração de sódio no líquor é uma forma de constatar a intoxicação por sal com privação de água. Já para intoxicação por chumbo, o diagnóstico pode ser feito pela dosagem de chumbo nos tecidos (rins ou fígado).
Necropsia e histologia:
As alterações podem ser de difícil percepção, sendo as principais lesões que podem ser evidenciadas no exame macroscópico de necropsia incluem:
- Encéfalo tumefeito;
- Achatamento das circunvoluções telencefálicas;
- Congestão
- Amolecimento e amarelamento do córtex telencefálico;
- Focos de hemorragia no tronco encefálico, cerebelo e telencéfalo;
- Herniação cerebelar.
Na histologia as alterações que podem ser constatadas são:
- Necrose laminar do córtex encefálico;
- Lesões degenerativas e necróticas dos neurônios corticais do telencéfalo (encarquilhamento e eosinofilia citoplasmática);
- Cromatólise;
- Picnose nuclear (neurônios avermelhados);
- Edema (aumento dos espaços perineuronais e perivasculares);
- Espongiose;
- Hiperplasia das células endoteliais dos vasos sanguíneos;
- Macrófagos grandes que possuem núcleo periférico e citoplasma vacuolizado (célula de Gitter);
- Alteração de malacia e edema em estruturas profundas do encéfalo (mesencéfalo, tálamo, núcleos basais e hipocampo).
Tratamento:
O tratamento varia de acordo com a causa da doença. Quando associada a deficiência de tiamina, recomenda-se a administração de tiamina e de dexametasona (para o tratamento do edema encefálico) por via intramuscular a cada 24 horas, durante três dias consecutivos. São constatadas melhorias dentro de 12 horas de tratamento, porém, quando o quadro é grave alguns aspectos levam mais tempo para voltar a normalidade, como por exemplo a cegueira. Animais intoxicados por chumbo devem ter a fonte do mineral suspensa, ademais, geralmente não é realizado tratamento.
No caso da PEM associada ao excesso de enxofre, não há tratamento específico e a recomendação é suspender da alimentação do animal a provável fonte do mineral, porém a administração de cloreto de tiamina no início do quadro clínico é recomendada. Quando a causa é a intoxicação por sal com privação de água, é recomendado que a água seja restituída lentamente aos animais.
Algumas medidas profiláticas podem ser recomendadas, se destacam: manter o fornecimento constante de água para os animais, principalmente quando estão ingerindo sal branco ou suplemento mineral; não agregar enxofre ao sal mineral, exceto em épocas de estiagem quando as pastagens podem estar deficientes nesse mineral; realizar adaptação ao consumo de concentrado de concentrados em animais criados em condições intensivas.
Quando esta enfermidade ocorre em forma de surto é importante identificar a causa, a fim de prevenir o surgimento de novos casos.
É importante contar com um médico veterinário para o diagnóstico e tratamento da doença.
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Autores:
Paulo Henrique Jorge da Cunha, Professor Dr. Clínica de Ruminantes – UFG
Kátia Rocha Tonhá, Pós-Vendas na Nutripura, médica veterinária com especialização em clínica e cirurgia em grandes animais pela UFG.
Mariana Colli, analista de Marketing na Nutripura, Engenheira Agrônoma pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP).
Referências:
LEMOS, R. A. A.; RIET-CORREA, F. Outras doenças: Polioencefalomalacia. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R. A. A.; BORGES, J. R. J.; MENDONÇA, F. S.; MACHADO, M. Doenças de ruminantes e equídeos. 4 ed. São Paulo: MedVet, 2023.
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