Texto por Mariana Colli, com base em palestra do Prof. Alexandre Mendonça de Barros
Abrindo o segundo dia do 10º Simpósio, o Professor Dr. Alexandre Mendonça de Barros ministrou uma excelente palestra, na qual abordou a perspectiva para o agronegócio brasileiro nos próximos anos. Discutindo temas da atualidade e como eles impactam a economia mundial e brasileira, o professor nos inteirou e preparou para o futuro que virá, nesse período incerto em que vivemos.
O Professor Alexandre é Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP, onde também cursou o Doutorado em Economia Aplicada. Foi professor do Departamento de Economia da ESALQ entre 1995 e 2004, posteriormente foi Professor de Economia Agrícola na Fundação Getúlio Vargas entre 2005 e 2011 e lecionou por último na Fundação Dom Cabral de 2017 a 2019. Atualmente é membro de Conselhos Administrativos de dezenas de empresas do agronegócio e sócio consultor da MB Agro Consultoria.
Se você perdeu o evento, não se preocupe. Nós preparamos um resumo do tema abordado na palestra. E se você quiser assistir o conteúdo completo, ele está gravado e o link está ao final do artigo!
Conteúdo
Cenário econômico atual: visão geral
Estamos vivendo um momento inédito, onde no decorrer de uma pandemia, uma guerra se iniciou. Surpreendentemente, após o fechamento do ano passado (2021), tivemos as melhores safras da história. E não obstante, quando chegamos ao final do ano, vimos estoques com relação ao consumo, muito baixos.
Sabe-se que as duas forças econômicas que regem a análise de mercado e o estabelecimento de precificação, são a oferta e a demanda. Visto isso, o estoque no final da safra entra como a variável que irá fechar essa equação. Relacionando a ótima oferta do ano passado com o baixo estoque final, o fator surpreendente foi o consumo.
A despeito da pandemia, ficou evidente a queda nos gastos com serviços e o aumento no consumo de bens no mundo todo. Dentre esses bens, o alimento teve grande destaque, crescendo mais do que qualquer outro. O que explica a inflação de alimentos ter se tornado um assunto generalizado no mundo.
Um fenômeno que está acontecendo no mundo é o aumento no preço da carne bovina, principalmente nos EUA, devido a um consumo elevado. Com a pandemia, as pessoas voltaram a se reconectar com a comida, valorizando uma alimentação com a família. Observamos pelo mercado de equipamentos culinários que cresceu muito, assim como a explosão de programas televisivos de cozinha. Uma outra mudança na indústria que explica o aumento da carne bovina, é a maior valorização de alimentos menos processados.
Cenário econômico do agronegócio atual: Soja
Nessa última safra, a américa latina frustrou as expectativas do mercado de grãos. Era esperado que o Brasil, maior produtor de soja do mundo, colhesse, deste grão, 145 milhões de toneladas, mas está finalizando a safra com 125 milhões de toneladas. Não bastasse o Brasil ter esta grande perda na soja, o Paraguai e a Argentina também estão fechando suas safras com saldo negativo de produtividade. Ou seja, somando a américa do Sul, principal região produtora deste grão no mundo, estamos observando uma queda de 35 a 40 milhões de toneladas de soja, num mundo que vinha colhendo 360 milhões de toneladas.
O impacto desta queda apareceu logo na virada do ano, com a elevação no preço da soja. Observa-se que a expectativa de produção mundial chegava a 390 milhões de toneladas. Sabendo da quebra de safra que a américa latina teve, podemos dizer que a relação estoque/demanda do mundo caiu significativamente.
O Brasil exportou, nos últimos 2 anos, 90 milhões de toneladas de soja para o mundo, no entanto, este ano terá 78 milhões de toneladas para este fim. Para que o Brasil consiga garantir a quantidade suficiente para o consumo interno, o mercado brasileiro está pagando um prêmio sobre a paridade de exportação de soja. Em 2020 tivemos um cenário onde exportamos muito e tivemos pouco para o país. Diante disso nos vimos obrigados a importar para fechar o balanço, resultando em preços mais altos.
Contrariamente ao que todos falam, a logística do Brasil está melhorando, e com isso acelerando a nossa capacidade de exportação. Visto isso, pode-se dizer que o mercado interno compete no cenário internacional, que é extremamente demandado.
Cenário econômico do agronegócio atual: Milho (Guerra)
O milho representa um mercado de 1,2 bilhão de toneladas por safra. Porém o comércio mundial deste grão é da ordem de 160 a 170 milhões de toneladas, uma vez que, em geral, é o cereal mais barato e apresenta um custo elevado para seu transporte. Visto isso, sabe-se que os países produzem milho internamente, a fim de evitar trocar o grão.
No entanto, os países que precisam de milho externo, normalmente precisam de altas quantias. Hoje quatro países comercializam milho de maneira relevante no mundo, sendo os Estados Unidos o maior exportador. A Ucrânia também tem grande relevância nas exportações, tendo colhido 42 milhões de toneladas ano passado (2021), com uma estimativa de exportar 34 milhões de toneladas.
No dia que a guerra se iniciou, foi constatado que cerca de 85% do milho já havia saído da Ucrânia. O grão poderia estar mais demandado no Brasil caso essa exportação não tivesse acontecido. Hoje a pergunta que ronda a todos é se a Ucrânia irá conseguir plantar sua safra de milho no próximo mês. Tal questionamento causa inquietação e nervosismo no mercado.
É fato que a Ucrânia não consegue plantar uma safra normal, então o que devemos nos perguntar é quanto o país conseguirá plantar. Caso não consiga plantar nada, a exportação que deveria ter início em setembro, não acontecerá. Forçando os países dependentes do milho ucraniano a irem buscar em outras origens (EUA, que estará colhendo sua safra, Brasil, que já terá colhido sua safrinha, ou Argentina, que logo colherá sua safra), e gerando uma pressão de compra do mercado internacional, no segundo semestre.
Mas não é apenas o milho que está sob pressão, o trigo também está gerando grandes preocupações e questionamentos. Mais um dilema surge entre nós “Será que a Ucrânia consegue plantar sua safra de trigo?”. O porque desta pergunta ser importante é que, assim como o milho, o trigo é um grão exportado (em quantidade relevante) por poucos países. Sendo a Rússia e a Ucrânia responsáveis por cerca de 28% do comércio mundial de trigo, ao exportarem em média, respectivamente, 36 e 21 milhões de toneladas por ano.
A boa notícia é que a Ucrânia já plantou 95% do trigo antes da chegada do inverno, deixando apenas 5% para ser plantado na primavera junto com o milho. No entanto, o manejo com adubação, controle de doenças e colheita ainda precisam ser feitos, gerando novas expectativas de que eles não conseguirão efetuar o planejado.
Como o milho e trigo se relacionam?
Por ser amplamente usado na Europa como ração, o preço do trigo disparou. Por consequência, este aumento no preço causa um aumento na demanda do milho, gerando mais insegurança sobre a oferta deste outro grão e o aumento em seu preço. Quando o preço do milho sobe, o preço da soja também deve subir, a fim de evitar que a área de milho cresça sobre a área de soja. E assim um mercado vai “contaminando” o outro.
O mercado mundial se encontra, atualmente, obcecado em formar estoques de trigo e milho. O norte da Europa é extremamente dependente do trigo russo, e os árabes do trigo ucraniano. Estes lugares precisam formar estoques para evitar a falta do produto, ocasionando uma demanda adicional. No entanto alguns países produtores de trigo como a Hungria e a Argentina, já anunciaram que irão segurar as exportações a fim de evitar ficar sem o recurso. Gerando assim, pressão sobre o mercado americano e canadense.
Estamos entrando em uma nova geopolítica diante deste cenário único em que vivemos. O presidente dos Estados Unidos já declarou que irá entregar 2/3 do que hoje a Europa ocidental consome de gás da Rússia, fazendo com que a movimentação da Europa mude totalmente. A Rússia, que se preparou para esta guerra ao desenvolver suas indústrias e agricultura, vai encontrar na China, seu mercado necessário.
Implicação para a carne bovina brasileira
Esse cenário traz uma implicação muito grande para o Brasil. Somos um país que sempre teve uma tradição diplomática de comercializar com todo mundo, se mantendo de fora de brigas de blocos econômicos, e não diferenciando quem vai consumir nossos produtos. Nesses últimos 3 meses, as exportações da carne brasileira surpreenderam. Os Estados Unidos se mostraram um grande parceiro, comprando pela primeira vez na história, carne de primeira em grandes volumes.
Podemos dizer então, que esses últimos meses podem representar o passo na transformação da pecuária brasileira. A Rússia e a China se manterão como grandes consumidores da carne bovina brasileira. No entanto, é preocupante a relação dos russos com a China e a produção de soja. A Rússia tem grande potencial agrícola e está melhorando neste quesito, podendo substituir parte das exportações brasileiras pra China deste grão.
Dentre todos os produtos, a carne bovina brasileira se destaca, desbancando qualquer competitividade. A Rússia que já foi a maior compradora de frango e grande compradora de carne suína brasileiros, hoje exporta ambos os produtos, porém, segue importando nossa carne bovina, visto a complexidade da produção. Então, ao olhar para um cenário de 10 anos, o que se pode sentir é uma preocupação sobre certos produtos, mas a percepção do potencial que se abriu para nossa pecuária de corte.
Além do posicionamento sobre a formação de blocos econômicos, outro fator de grande implicação para nós brasileiros é o câmbio. Quando o mundo encontra uma eminência de um ciclo de alta em commodities (petróleo, minério, alimentos etc.), os grandes investidores procuram pela Rússia e pelo Brasil. No entanto, no nosso cenário atual, a Rússia está fora de cogitação para investimento, destacando o Brasil como opção.
Está explicado com isso a valorização do real que estamos observando. No entanto, o choque de preços adicional, intensifica mais a inflação brasileira. Hoje vemos uma inflação de 7% e uma SELIC de 13%, em decorrência da necessidade do banco central brasileiro em puxar a taxa de juros. Mas, uma hora a guerra acaba, e quando isso acontecer, as commodities vão cair e veremos o real voltar a desvalorizar.
Cenário econômico do agronegócio atual: Adubo
Olhando para 2021, vemos que o Brasil importou cerca de 18% de ureia (1,5 milhão de tonelada) e 100% do nitrato de amônio da Rússia. Sabemos que não há outra origem que substitua esse montante de nitrato de amônia russo, e que convertendo-o, temos 1 milhão de tonelada de ureia equivalente. Atualmente já recebemos 300 mil toneladas de ureia russa, faltando adquirir mais 2,2 milhões de toneladas em outras origens.
A importância da Rússia na produção de amônia é tamanha que fez o preço, nos Estados Unidos, subir de 500 dólares para 100 dólares. Além disso, os marroquinos importam quantidades significativas da Rússia, sendo metade do montante importado, destinado para a produção de “map” (adubo fosfatado de grande relevância).
Quando entramos no quesito “map” vemos a dimensão tomar maiores proporções. No ano passado, 30% deste adubo importado (1,5 milhão de toneladas) veio da Rússia. Caso os marroquinos não consigam substituir essa amônia russa, eles terão que produzir mais “super triplo”.
Há 20 anos atrás, o Prof. Alexandre desenvolveu um modelo que calcula quanto nutriente é extraído por todas as lavouras brasileiras, calculando com isso quanto foi extraído dos solos. Essa conta, junto com o quanto sabemos que adubamos (em média), nos da uma ideia de quanto sobrou de estoque no solo. Para nossa felicidade, principalmente devido as quedas de safra no Sul, da quebra da safrinha e de termos adubado mais do que extraímos, chegamos a um basal de 1,5 milhão de toneladas de “map” equivalente estocado em nossos solos.
Visto o tamanho dos desafios diante dos altos preços e da complicação da logística que a guerra gerou, 2022 irá exigir alta qualidade da mão de obra agronômica. A compreensão da nutrição de plantas será altamente requisitada, a fim de conseguir chegar à quantidade de adubo que necessitamos, usando o que temos estocado em solo.
O maior desafio, no entanto, é perante o cloreto de potássio. A Rússia é responsável pela produção de 1/3 desse cloreto no mundo, sendo o Brasil, importador de metade desse montante. Anualmente, o mundo produz 65 milhões de toneladas de cloreto de potássio. No ano passado o Brasil importou 12,5 milhões de toneladas, sendo 6 milhões provindas da Rússia. A produção brasileira não chega a 400 mil toneladas, e a quantidade exorbitante que necessitamos importar torna o país o maior importador deste adubo, do mundo.
Novamente fomos verificar se há estoque em nossos solos, e chegamos à conclusão de que temos 2,9 milhões de toneladas de cloreto de potássio equivalente acumulado no solo em decorrência da quebra da safra (maior adubação / menor extração). Se soubermos otimizar o uso desse estoque presente em nossos solos, o volume que precisaremos a mais nesse ano será por volta de 10 milhões de toneladas.
Somando o quanto temos em estoque, com o quanto produzimos e o que já importamos, precisamos ainda de cerca de 6 milhões de toneladas de cloreto de potássio. Com essa quantia, conseguimos produzir uma safra semelhante à do ano passado (2021). Porém, enquanto a guerra não cessar, os preços dos nutrientes estarão altos, podendo sofrer uma forte queda assim que esta acabar.
O que temos de lição até aqui é que a reciclagem de nutrientes é extremamente importante. Precisamos ter estratégia ao manejar a nutrição de planta e a nutrição animal. Nesse sentido, a guerra nos trouxe essa nova percepção de ação, deixando claro como devemos redesenhar nossas estratégias.
Cenário econômico do agronegócio atual: Carne
A oferta de carne suína aumentou consideravelmente, impactando as margens de rentabilidade da suinocultura do mercado chinês, que se viu pressionado a reduzir seu rebanho suíno. As especulações sobre o que aconteceria quando o preço da carne suína despencasse era de que a carne bovina sofreria barbaramente. Mas não foi o que aconteceu. O padrão chinês de consumo de carne bovina mudou, e indica um aumento sistemático da importação chinesa do produto, dado que eles não vão conseguir produzi-lo.
A virada de ciclo pecuário nos Estados Unidos é o assunto mais importante no mundo hoje para a nossa carne. Praticamente desde 2016, o preço do bezerro ficou estável. E desde este ano o abate de fêmeas veio crescendo consideravelmente. De acordo com a universidade de IOWA, desde 2018, praticamente ininterruptamente, os Estados Unidos perderam até 200 dólares por cabeça de gado.
Com a chegada da COVID, o ritmo de abate diminuiu devido ao afastamento de funcionários. Consequentemente a oferta de gado muito grande em comparação a capacidade de abate. No momento que o confinador perde dinheiro ele não tem mais capital para pagar pelo bezerro. Logo, o criador se vê obrigado a matar a vaca para aumentar a oferta.
Com o aumento da oferta, ao ter fêmeas abatidas, o preço da arroba cai, no caso dos Estados Unidos chegando a 60 dólares (menos que o preço da arroba brasileira hoje). Porém, nos últimos 4 meses, a arroba subiu para o patamar de cerca de 90 dólares, sinalizando que o gado está escasseando. Logo, sabe-se que nos próximos meses o preço do bezerro irá subir e as vacas serão retidas. Então, a oferta diminuirá e o preço da arroba subirá.
Este cenário já ampliou as exportações brasileiras para os EUA, dando um salto muito grande ao passar a exportar carne de primeira. O governo americano estima uma queda na produção de 167 mil toneladas de carne esse ano, mas dependendo de como a seca seguir este número pode mudar. No caso da seca ser muito intensa, como está acontecendo na região de cria americana, é esperado um maior abate de vacas por não conseguir retê-las. O que fará que a oferta aumente este ano (2022), reduzindo consideravelmente no ano que vem.
Podemos concluir então que o preço da carne está subindo no mundo todo. A carne bovina australiana, por exemplo, é atualmente a carne mais cara. Isso devido à queda do rebanho nos anos anteriores. Ele está voltando a crescer, mas ainda é um abate reduzido na Austrália. Esse fato nos mostra que o Brasil terá espaço no mercado de Angus, atendido pelos Estados Unidos e Austrália, além do espaço que seguiremos tendo para o Nelore.
De acordo com o IBGE, em 2021 observou-se a menor taxa de abate em muitos anos, 27,5 milhões de cabeças apenas. Uma redução de cerca de 5 milhões de cabeças em apenas 2 anos. A virada do ciclo pecuário é clara, prevista para 2023. Observamos a queda no preço do boi magro e do bezerro, mesmo que nominalmente não esteja aparente, quando corrigido pela inflação fica evidente a queda no preço, deixando nítida a virada do ciclo. Essa é a oportunidade que está aberta para exportação de carne bovina brasileira.
Para assistir a palestra na íntegra: