Não podemos falar que o preço da arroba do boi é previsível. Porém, existe um comportamento de altas e baixas que é cíclico. Esse comportamento é chamado de ciclo pecuário. Vamos entender neste artigo o que é este ciclo, assim como os fatores que o influenciam.
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Os fundamentos para entender o ciclo pecuário
O primeiro passo é entender o conceito de oferta e demanda, que rege qualquer mercado. Se você já conhece esse princípio, pode pular para o próximo capítulo, se não, recomendo ler com calma. O conceito é quase intuitivo.
Partimos do princípio que quanto maior o preço, menos pessoas querem consumir, então a demanda é menor e quanto menor o preço, mais gente quer consumir, então a demanda é maior.
Como exemplo, vamos imaginar um produto X, que no momento custa R$ 100,00. Ele há um mês custava R$ 80,00, mas como estava mais barato, muita gente começou a comprar, ou seja, a demanda aumentou. Quando a demanda aumenta, a oferta geralmente diminui e o preço sobe, que foi o que aconteceu com nosso produto.
Digamos agora que se passou um mês e o produto passou a custar R$120,00 devido à alta procura, que leva pessoas que identificam uma oportunidade e ofertam mais, que por consequência causa sua escassez. Com este preço, as pessoas passam a comprar muito menos, o produto passa a sobrar no mercado, e o preço inicia um movimento de baixa.
Agora, após dois meses, o produto custa R$ 85,00, e as pessoas voltam a demandá-lo e o preço volta a subir. Este movimento de altas e baixas pode ser demonstrado em um gráfico, onde o cruzamento das duas retas (as retas são para fins didáticos, cada produto apresenta uma curva diferente) representa o ponto de equilíbrio. Estas retas (preço e quantidade) podem mudar de patamar e, quando mudam, o ponto de equilíbrio também muda.
Recapitulando:
- Quando há mais oferta do que demanda, o preço geralmente cai
- Quando há mais demanda do que oferta, o preço geralmente sobe
Você já conseguiu visualizar um pouco do ciclo, certo? Este exercício explica brevemente a lei da oferta e demanda, que é um dos fatores que influenciam no ciclo pecuário, e que é influenciada por outros fatores como produção, importação, consumo interno e exportação.
De volta ao ciclo pecuário, ele representa a oscilação em torno do ponto de equilíbrio da oferta e demanda.
O ciclo pecuário
Podemos definir o ciclo pecuário como anos em que a arroba está em movimento de alta e o negócio está mais atrativo, e anos de baixa, que o negócio está menos atrativo. Cada movimento é motivado por uma série de fatores, que podem alongar ou encurtar o ciclo, mas ele sempre se repete.
O ciclo pecuário e a retenção de matrizes
Momentos em que a arroba do boi gordo está em ascensão, geralmente significa que o negócio está mais interessante. Digo geralmente, pois há fatores que não são sazonais e sim pontuais que podem interferir a tendencia do ciclo, como custos acima do preço da receita, inflação, demanda fria, etc.
Quando o negócio está atrativo, o setor da cria inicia um movimento de segurar fêmeas na fazenda, para gerar mais bezerros. Geralmente, a retenção de fêmeas dura cerca de dois anos.
Podemos enxergar de maneira muito clara o movimento de redução no abate de fêmeas à medida que o preço da arroba sobe.
As colunas em verde representam a proporção de abate de fêmeas no total de animais abatidos, enquanto a linha azul o preço da arroba do bezerro e amarelo, do boi gordo. Os valores que utilizo ao longo de todo artigo são deflacionados (ou seja, o fator tempo no dinheiro é removido) pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI).
Fica evidente que assim que o preço do bezerro sobe, os criadores começam a reter fêmeas. Este momento do ciclo, de retenção de matrizes, dura cerca de dois anos.
A Época de Vacas gordas
Chegamos no seguinte cenário:
- o preço do boi e do bezerro estão em ascensão;
- o setor da cria começou a segurar matrizes na fazenda;
- nascem mais bezerros e bezerras;
- a capacidade produtiva aumenta.
Destes novos nascimentos, metade são machos e metade fêmeas. Os machos são destinados a engorda e terminação, e parte das fêmeas, que não foram para a terminação, após um período de cerca de 2 anos, vão parir mais bezerros.
Veja como a capacidade produtiva aumenta de maneira exponencial, até que…
A Época de Vacas – não tão – gordas
Retornemos aos fundamentos no início do texto. Oferta cresceu de maneira considerável nos últimos três a quatro anos, isso após os dois anos de retenção. Oferta cresce mais do que a demanda, preço tende a cair.
E se o preço começa a apresentar queda, o setor da cria começa a sentir os efeitos no bolso, já que geralmente os custos de produção não caem à medida que o preço da arroba cai. A solução rápida é abater matrizes, tanto para reduzir o número de bezerros a criar, como para injetar caixa no negócio.
O abate de fêmeas pode durar cerca de quatro anos, período em que a capacidade produtiva cai, assim como a quantidade de carne no mercado. Mais uma vez, se a oferta é menor que a demanda, o preço tende a subir, e com o preço em ascensão, o ciclo se reinicia com a retenção de matrizes.
Até aqui, falei mais sobre a oferta de animais do que sobre a demanda, porém acho relevante destacar fatores que influenciam no ciclo na óptica da demanda.
O ciclo pecuário e a demanda
A demanda pode ser dividida em duas partes, para facilitar a compreensão: demanda interna e demanda externa.
Demanda interna: Estima-se que o brasileiro consuma cerca de 27 quilos de carne por ano, uma das maiores médias do mundo, e são mais de 210 milhões de brasileiros. Para se ter ideia, em 2021, o consumo interno foi de 415.162 mil toneladas de carne bovina.
Agora, para chegar neste valor de demanda interna, pode ser calculado subtraindo a exportação da produção de carne, ou ainda o United States Department of Agriculture (USDA) disponibiliza estes dados. Para consulta, só clicar aqui.
A demanda interna por carne bovina olhada isoladamente não nos diz muito, mas quando analisamos em comparação a outras proteínas ao longo do tempo, podemos entender mais o que acontece.
Podemos ver no gráfico acima o consumo de aves, suínos e carne bovina ao longo dos últimos anos. São vários fatores que influenciaram nesta redução de consumo de proteínas em geral.
A inflação pode ser apontada como uma das principais causas desse movimento baixista de consumo, já que a elasticidade da renda-demanda da carne bovina é considerável. Ou seja, quando a renda sobe, o consumo também sobe e vice-versa. Com a inflação crescente, o poder de compra do brasileiro sofreu um golpe, refletindo no consumo.
A economia global tem como alicerce: o emprego, renda e consumo. Devido a pandemia de COVID-19, os bancos centrais adotaram medidas fiscais e monetárias para estimular a circulação de dinheiro, combatendo a curto prazo o efeito do desemprego. E quando digo “curto prazo”, é porque essas medidas têm efeitos colaterais que chegam logo.
Um dos efeitos colaterais foi a desvalorização cambial. O Real perdeu cerca de 70% do seu valor frente o Dólar de 2017 até 2021. Outro efeito foi a inflação, que atingiu todo o mundo.
Mais uma vez, oferta e demanda. Dessa vez, a demanda interna caiu.
Mas a demanda externa apresentou outro movimento. Uma doença dizimou (cerca de 60%) o rebanho suíno da China, que tem maior população do mundo e que a principal proteína consumida é justamente a suína. A carne bovina que é competitiva no mercado externo, virou alvo dos chineses. E os chineses aprenderam a comer e tomaram gosto pela carne brasileira. Não podemos esquecer os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, e como afeta o mercado mundial. Você pode explorar um pouco no gráfico abaixo os números de exportação de carne bovina, aves e suína, assim como a participação de cada proteína. O gráfico é interativo.
E por isso é interessante ficar atento ao que acontece ao redor do globo. Eventos que podem parecer isolados afetam toda a cadeia. A demanda externa por proteína anual deve aumentar em cerca de 30% até 2050, fator que não podemos negligenciar.
Encurtamento ou alongamento do ciclo pecuário
Como mencionado durante o artigo, o ciclo não necessariamente é fixo, ele pode se alongar ou encurtar. Por exemplo, a melhoria da produtividade e tecnificação do setor tende a ser um fator de encurtamento do ciclo pecuário, já que as novilhas estão mais precoces, assim como a idade de abate está menor.
O aumento significativo dos custos de produção, seja causado pelo que for, pode ter efeito no encurtamento do ciclo, caso aconteça em momentos de alta da arroba por exemplo.
Em nosso 10º Simpósio Nutripura, o Prof. Alexandre Barros palestrou justamente sobre o cenário e perspectivas para o agro. Você pode conferir um resumo de sua palestra, por escrito ou vídeo, aqui.
Os dados utilizados no artigo foram coletados no IBGE e no Secex; os cálculos, realizados pelo autor.